1
Os Sinos dobram, mas dobram demais, com uma vontade arrastada, agastada de resignação serpenteante. O peso de cada tom faz-se sentir na mais grave das notas e o tinir de uma liberdade que não existe ouve-se no ecoar de cada badalada.
2
Mais rápido, indolor e misericordioso seria um cálice de cianeto que apartasse ao corpo o sofrimento, qual antídoto para a alma, do veneno que a corrói.
Assim será.
3
Sentado num velho cadeirão, corrompido pelo tempo e as intempéries do ambiente circundante, ora frio, ora cintilante do caloroso banho de sombras e luz tépida em permanente alternância.
4
O corpo escorrega vagaroso, e os dedos frios seguram um copo de uma bebida antiga. Trago a trago, trago à consciência fugidia a vida toda que julgo ter vivido e a certeza começa a tomar a forma de algo, imperceptivelmente indiferente.
5
No canto superior da minha alma noto algo cintilante, vejo o reflexo de um ser que não eu. Aproxima-se e sinto o bafejar algo gélido. Aquilo que se aproxima.
6
Quero querer ter força para não permitir a aproximação de algo que inevitavelmente se avizinha. Algo que inevitavelmente, no fundo, sei não querer evitar.
7
Um crepitar mais ousado desperta-me por momentos, do súbito entorpecimento hipnótico em me via imerso, absorto.
8
Sinto com clareza um nó de gravata na boca do estômago e uma vontade súbita de vomitar a minha vida estragada, em convulsões e precipitações desmesuradas tento a todo o custo abortar a missão.
9
Fraco, sou, sinto-me. Física e mentalmente, mente, mente... desfoco, foco... crepitar.. corpo... copo...
10
Inspiro profundamente e profundamente expiro. Os dois, por último.
11
O copo rola no corpo, o corpo rola no chão, o crepitar rola para si, e o ser nítido aproxima-se nítido, com um beijo nitidamente frio. Na foice vejo o reflexo de olhos perderem o brilho. No brilho que foi reflexos de alma que deixou de ser.
12
A ultima décima segunda badalada.
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